Allahu Akbar!
samedi, avril 15, 2006
 
PESÂMES



Cocody, manhã de Quinta-feira. Nuvens escuras anunciam chuva e, ao mesmo tempo, o céu deixa transparecer, aqui e ali, a luz dum sol escaldante. Passo entre crianças que estendem pequenos pacotes de “mouchoirs”. O verde de laranjas e tangerinas estende-se ao longo do passeio diante de mulheres suplicantes.
O calor vem com toda a sua força exigindo de nós as nossas. As estradas vestem-se agora de vermelho e amarelo diante dum engarrafamento. Taxis buzinam incessantemente impedindo-me de ouvir as vozes que se dispersam...entro num destes para iniciar uma viagem de duzentos e cinquenta francos e chego finalmente ao Marcory. Aqui a mesma espera, o mesmo movimento... pois o bairro onde me dirijo é de difícil acesso. Passamos aceleradamente por entre um formigueiro de gente...conta-me o “chauffeur” que a vida está difícil. Está tudo caro e a gente não ganha para tudo... pelo autocolante de fundo amarelo com uns dizeres em árabe imediatamente percebo que viajo ao lado de um muçulmano...dos seus lábios desprende-se um sorriso, não sei se de impotência ou resignação, quando me fala destas coisas...porque a viagem é longa por entre ruas e ruelas havemos de ter tempo para falar de tudo, mesmo de religião. Orgulha-se da sua e está convencido que trilha caminho seguro. E eu que nunca tive orgulho da minha?!...Aos poucos, conversando, chega à conclusão que na verdade o caminho que segue não é totalmente seguro e eu apiedo-me dele...falo-lhe da Solução e ele diz que vai pensar...paramos finalmente diante do “cordonnier”, o único ponto de referência que conheço neste labirinto, e inclino-me na janela do taxi para lhe estender os cento e cinquenta francos que recebe com um obrigado...e eu insisto: que Deus te abençoe! Remete-me um “ça va aller!” de esperança.
Meto as sandálias agora numa rua de terra batida e no caminho não me esqueço de cumprimentar as pessoas que vejo. Paro para saudar o carvoeiro...um menino de ranho estendido ate à boca vem e dá-me a mão e eu estendo-lhe a minha. Caminha contente ao meu lado...Abro o portão vermelho e transponho-o com pesar: o menino que vinha receber-me com a sua marmita de alumínio onde um rabo de peixe espreitava, já não me vem receber. Não o fará mais!
Na igreja forrada de tapetes um jovem lê um livro de hinos em “dioula”. Conversamos e ele pergunta-me como foram as férias e eu digo-lhe que foram boas mas cansativas. Ele diz-me que tem dois filhos e que a sua mulher vende arroz e ganha cinquenta francos em cada quilo e eu calo-me e canso-me. Saio. Preciso de apresentar condolências e não o sei fazer nem sei como o fazer...Diante do ar alegre da mãe desventurada e do seu segundo rebento esqueço-me das condolências. Pego no menino ao colo. Comparo-o com o seu pai e apresento timidamente as minhas condolências...Ela está conformada! Saio e espero. O pai há-de vir e hei-de abraçá-lo. Ele vem e eu abraço-o. Como amo o “doutor”! Como ele ama a obra de Deus! Ele fala-me dos seus projectos e da sua visão. Perco a coragem de lhe dar condolências e quedo-me. Ambroise de seu nome veste-se dum sorriso. Deve andar por volta dos 40 anos. Alto, bem constituído, nariz grosso e brilhante. Olhos pequenos e sorridentes. Usa habitualmente camisa tradicional de cores garridas e de colarinho claro que complicam o seu aspecto. Como o calor é por vezes inimigo do bom aspecto o seu suor cai-lhe até ao colarinho escondendo-lhe a primeira alvura, se é que algum dia a teve. Dá passos certos sem pressa. Caminho lado a lado com ele.
Caminhamos conversando. O doutor cumprimenta e é cumprimentado e eu cumprimento. Compro um pacote de amendoins torrados e estendo-lho e ele estende a sua grande mão e eu divido com ele. Meia dúzia de passos andados e pára. Do lado de lá da vala de esgotos alguém o cumprimenta. Levo o cumprimento mais longe e dirijo-me para debaixo da árvore e faço a distribuição do resto dos amendoins. Fazemos amizade e combinamos encontrar-nos um dia destes para juntos bebermos chá e falarmos sobre tudo. Teremos hipóteses, crendo Deus, de apresentar o Evangelho na próxima oportunidade. Caminhamos mais um pouco, agora já afogueados pelo sol que desce sobre nós na vertical, e decidimos beber qualquer coisa. Talvez uma Coca! É agora quase meio-dia. Sente-se o odor agradável da “sauce” rivalizando com o odor da valeta nauseabunda. Habituei-me a esta miscelânea de odores e consigo agora captar o bom cheiro do molho de amendoim ou do óleo de palma separando-os do outro. Quedamo-nos finalmente diante de um gradeamento azul detrás do qual um jovem mauritaniano abre um sorriso para nós. Pergunto-me porque as tentativas que fizemos antes para saciar nossa sede foram infrutíferas. Mas agora, diante deste mauritaniano, compreendo. Conhecemos o habitual sobrolho cerrado dos mauritanianos mas este é diferente. Uma criança entra agora no nosso diálogo pedindo um pacotinho de leite. Puxo de cinquenta francos e ofereço-lhe outro. Continuámos a falar do Alcorão e mostramos respeito por ele. Apesar de todos os bons conselhos do Alcorão, este não nos dá alguma tranquilidade com respeito ao acesso ao “Paraíso”. Ele mostrou-se confuso e adiámos o resto do diálogo para uma próxima oportunidade. Conquistámos um amigo, creio-o.

Publié par Lavrador le 15 avril 2006, 10:20
 

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