Umas esparssas gotas de água começam a cair ao saírmos de casa nesta manhã. Aproveitamos o domingo-de-ir-à-igreja para fazermos uma visita muito especial, uma das mais difíceis da nossa vida, se calhar!? Depois de percorrermos quase vinte quilómetros em boa estrada desembocamos numa estrada saibrada cheia de lombas e buracos e aí começamos a dizer mal da nossa vida porque nos parece não ter esta fim. Enfim chegados entramos de imediato na "cour". Entra-se aqui por uma pequena porta depois de se terem ultrapassado os dois degraus que a separam do terraço exterior. Um odor longo a estrugido e a arroz acabado de cozinhar envolve-nos. Lá dentro, a toda a volta do rectângulo do pátio alinham-se portas e minúsculas janelas viradas para o centro deste. Atravessamos uma e deparamos, a um canto da sala, com uma mulher sentada a custo sobre a enxerga, num estado lastimoso. Somos traspassados por um silêncio de chumbo e compreendemos então o que sentiram os amigos de Jó quando o visitaram na sua doença. Não sei se esta senhora completará a semana...e vêm-me à memória antigas recordações...quantas vezes subi ao oitavo andar onde ela morava na altura com o seu marido e filhas... e como nos recebia com um sorriso aberto...e depois, a doença do marido também ela estranha, semelhante à dela...e das oportunidades que tive de lhes falar do Evangelho enquanto este meu amigo preparava o chá que bebiamos juntos.
Sinto como se tivéssemos dado as mãos
Mas ainda não sincronizamos os pés
A música toca, mas divergimos
Tento ir para um lado, Tu me levas a outro
Por vezes me frustro e ardo em ira
Tento me desvencilhar de Suas mãos
Impor o meu próprio ritmo
Determinar os passos da dança
Mas Tu é quem escolhes música e coreografia
De Tuas mãos já não posso mais escapar
Feliz é quem se deixa conduzir por Ti
E confiam em Tua direção
Sofro por não entender para onde me levas
Não compreendo o movimento de Teus pés
Levas-me para onde não quero ir
A lugares que me deixam aterrorizado
Ajuda-me a confiar plenamente em Ti
A reconhecer que me dás mais do que mereço
E enxergar os perigos que me livraste
As bênçãos que me esperam adiante
Chegamos ao bairro por volta das dez da manhã. O bairro é constituido dum amaranhado de caminhos em terra batida e dum amaranhado de barracas todas elas em péssimo estado. Mas aqui o que nos interessa são as pessoas e em especial os pobres...À porta de todas estas barracas encontramos sempre gente e bancos. Gente porque não há trabalho e bancos porque esperam sempre mais alguém com quem compartilhar o pouco que têm para manducar ou para se entreterem numa cavaqueira de esquecimento.
Nós, quando a vida não nos sorri, lamentamo-nos, dizemos mal dela e vivemos num constante desespero. Os africanos não choram, só riem, e é neste riso constante que afogam as suas mágoas.
Estão-nos sempre esperando aqui. Quando não vimos lamentam-se, reclamam-nos. É neste exiguo espaço confinado entre duas filas paralelas de barracas, que se alinham ao correr das “casas” os bancos e as cadeiras ou o que resta delas. Trocamos algumas, muitas, palavras de saudação e deslizamos tranquilamente rumo a um diálogo ameno sobre a Palavra de Deus. São muçulmanos os meus amigos e eu, apesar de não o ser, compreendo-os, aceito-os como são e aprendo com eles.
Aprendi, ao longo destes anos em África, sobre a inutilidade da religião. Aprendi que nos agarramos à religião como uma tábua de salvação e continuamos perdidos, mesmo no interior das nossas igrejas, porque sem consciência que a tábua de salvação não é a religião, nem alguma igreja, mas Jesus. Nós que anunciamos Jesus insistimos com os homens para fazerem boas obras e esquecemo-nos que aquele que vence o mundo, ou que pode resistir ao pecado, é o que acredita em Jesus. Deixemos os homens receber Jesus primeiro e falemos das obras depois sempre conscientes que não seremos salvos pelo facto de as praticarmos...
retidos